quarta-feira, 30 de julho de 2014

Música Analisando a letra - O Rappa - Pescador de Ilusões

Resolvi abrir espaço no blog pra uma das coisas que gosto de fazer em privado, digamos que seja quase um hobby... Analisar letras de músicas. Começando com uma banda que gosto muito e que embalou muitos dos meus melhores momentos ;)

Pescador de Ilusões - O Rappa




Se meus joelhos não doessem mais
Diante de um bom motivo
Que me traga fé, que me traga fé

Se por alguns segundos eu observar
E só observar
A isca e o anzol, a isca e o anzol
A isca e o anzol, a isca e o anzol
Ainda assim estarei pronto pra comemorar
Se eu me tornar menos faminto
E curioso, e curioso
O mar escuro, é, trará o medo lado a lado
Com os corais mais coloridos

Valeu a pena, ê ê
Valeu a pena, ê ê
Sou pescador de ilusões
Sou pescador de ilusões (bis)
Se eu ousar catar
Na superfície de qualquer manhã
As palavras de um livro sem final
Sem final, sem final, sem final, final

Já ouvi essa música em diversas festas de formatura. E desconfio que o motivo do seu sucesso nessas ocasiões se deve principalmente ao refrão - Valeu a pena ê ê... Penso que os formandos a utilizem para reafirmar os sacrifícios que fizeram pra conquistar o diploma e o quanto estes valeram a pena no final. (Não me batam pessoas que usaram a música na formatura, é só uma suposição).

A música trata a meu ver em todas as suas estrofes sobre religião. Logo no início quando menciona os joelhos e a dor refere-se à penitência comum na religião cristã de ajoelhar-se ao rezar, ainda nesse trecho menciona fé.

A isca e o anzol são a meu ver metáforas para “aquele que crê” e os mecanismos que a religião se utiliza para mantê-lo crendo.

Faminto e curioso representam a busca pelo conhecimento que seria um mar escuro, por ser desconhecido e tirar o indivíduo da zona de conforto propiciada pela religião, no entanto quem persiste na busca encontra os corais mais coloridos tornando-se um pescador de ilusões... Um contraponto ao pescador de homens (Ver Lucas cap. 5 vers. 10-11 e Mateus cap. 4 vers. 19).

Na ultima estrofe quando ele se refere a um Livro sem final creio que refere-se a bíblia.

Na minha opinião a música casa perfeitamente com o momento da formatura, pois a mesma celebra a curiosidade que permite a aquisição do conhecimento. ;)

E vocês concordam? Discordam? Deixo em aberto o espaço para todos se manifestarem, inclusive os compositores (vai que cola! kkk).


:*

terça-feira, 29 de julho de 2014

Poesia do dia - Autopsicografia - Fernando Pessoa


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.


E os que leem o que escreve,

Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.



E assim nas calhas de roda

Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.


Apontamentos:

Tenho um fraco por metalinguagem, não só na poesia ou literatura em si. Descobri essa predileção há pouco tempo, embora a conserve há muito. Filmes como essa temática como A Rosa Púrpura do Cairo do Wood Allen também me encantam. Por falar em filmes assisti recentemente um que trata sobre a obra do Allen chamado Paris-Manhattan que apresenta essa característica também e provavelmente renderá um post.

Digressões a parte essa poesia do Fernando Pessoa retrata como ele vê-se enquanto poeta um artista ficcional (fingidor) que empresta seu sentimento (dor) a poesia, tanto a dor fictícia quanto a real. Aos demais viventes resta relatarem suas dores, mas somente o poeta consegue empregar seu poder criativo de forma a imaginar dores não sentidas e transformá-las em arte. 

Se sintam a vontade para comentar. Bjinhos.

Resenha - Aventuras de Alice no país das maravilhas e através do espelho e o que Alice encontrou por lá

AVENTURAS DE ALICE EM BUSCA DO AMADURECIMENTO.

CARROLL, Lewis. Aventuras de Alice no país das maravilhas. In:______. Alice: Aventuras de Alice no país das maravilhas e através do espelho e o que Alice encontrou por lá. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.


Lewis Carrol, autor de Alice no País das Maravilhas e Alice através do Espelho foi um escritor, poeta, matemático e fotógrafo inglês. Um homem de diversas facetas e interesses, sendo sua obra-prima, inclusive, produto dessa diversidade.
Ainda no período concernente ao nascimento da fotografia, Carrol já possuía o estranho hábito de fotografar meninas nuas. Essa atitude sua, junto a frases polêmicas e a preferência pela companhia infantil tornaram-no constante alvo de especulações envolvendo pedofilia. O.O
Após conhecer Alice Pleasance Liddell, então com 10 anos e filha do reitor da faculdade onde lecionava matemática, Carrol passou a fotografá-la, a fazer passeios e a conhecer cada vez mais os sonhos e os problemas da menina. Observando todo o seu comportamento, Carrol passou a traçar o modelo ideal de personagem para um livro que segundo ele, surgia aos poucos conforme ia contando a história para a própria Alice.
Alice no País das Maravilhas foi publicada originalmente em 4 de julho de 1865 e a partir daí suas adaptações só foram se multiplicando. O fascínio do mundo pela obra reside em sua facilidade de compreensão pelas crianças e a complexidade de ideias que vão se adicionando ao texto a cada vez que o leitor, mais maduro, relê a obra.
A linha criativa é simples, porém perfeita. Alice, uma garota que está cansada de ouvir as histórias de livros sem figuras que sua irmã mais velha lhe conta, começa a seguir um apressado coelho branco até a sua toca, onde cai em um buraco e é levada para um local cheio de criaturas antropomórficas e bizarras, que muitas vezes chegam a beirar a loucura.
A organização dos doze capítulos é feita de maneira confortável ao leitor. Apesar de todas as passagens terem ligações entre si, cada capítulo apresenta uma história fechada, com começo meio e fim, fazendo com que mesmo o leitor mais apressado consiga ler um pouco da história por dia.
Mesmo curto (e com figuras), o livro traz diversos enigmas matemáticos e referências a eventos e personalidades que podem demorar um bom tempo para serem decifrados, ainda mais nos dias de hoje, já que mesmo para as pessoas anglófonas, muitas das palavras e referências de dupla interpretação já não fazem o mesmo sentido nos dias de hoje, sendo necessário garimpar a história e a linguística da língua inglesa para tal.
O livro como um todo representa uma crítica às histórias pueris e politicamente corretas que eram feitos para crianças durante o reinado da Rainha Vitória, época que o livro foi escrito. O molde cheio de morais pré-formatados, foi abandonado pelo autor, que misturou elementos criativos, fugindo de uma “moral engessada”.
Alice no País das Maravilhas é um livro grandioso por ser ele inteiro uma grande analogia ao amadurecimento. Alice é uma personagem que está numa idade capciosa, onde o ser humano é posto a prova todos os dias. Está em um momento de passagem entre a infância e a as responsabilidades do mundo adulto, de forma, que em muitos momentos é considerada “grande” para apresentar certos comportamentos e criança demais para entender certas explicações, o que termina por ser conflitante, pois, pressupõe-se que ainda não é madura o suficiente para agir ou pensar de determinada maneira aparentemente mais adulta, algo constantemente cobrado dela.
Carrol retrata tal situação no País das Maravilhas por meio dos cogumelos. Comendo um lado do cogumelo, Alice cresce, comendo do outro lado ela diminui. Experimentando os lados do cogumelo, Alice tem a oportunidade de experimentar os dois lados a qual estava inserida, o mundo adulto e o mundo infantil.
Fica claro na história que todas as vezes que ela cresce, ela tenta parecer mais adulta. Como quando encontra a mãe pássaro que a confunde com uma serpente, ou quando entende sua superioridade reconhecendo a falta de força física de um baralho de cartas. Nos momentos em que está pequena, a personagem sempre busca abrigo, alento, algo a que se apoiar para seguir sua busca pelo jardim que encontrou nas primeiras portas que precisava abrir.
Metáforas de crescimento estão presentes em cada parte do livro, mas vale destacar também o encontro de Alice com a Lagarta que fuma narguilé. Pela primeira vez no livro, Alice acaba se deparando com a questão mais fundamental de sua idade: quem é ela.
No livro, Alice precipita-se muitas vezes a responder. A dúvida permeia a cabeça dela que não tem certeza se é mais importante definir-se pelo seu presente ou pelo seu futuro. E a dúvida não foi colocada na cabeça de Alice por meio da figura de uma Lagarta por acaso: lagartas são frequentemente caracterizadas como borboletas em crescimento, logo não pelo que são, mas pelo que serão.
As várias faces de personagens metaforizados pelo livro buscam provocar e ao mesmo tempo comover o leitor. E assim como todo o País das Maravilhas, guardam segredos discretos, mas concretos, que vão dando a Alice condições de enxergar o mundo cru e sem figuras que ela tanto rejeita.
Vale lembrar que toda a aventura de Alice se passa em um sonho seu. Assim, todos os personagens são reflexo do que pensa a própria Alice. Fazendo das pessoas que ela encontra no País das Maravilhas algumas das visões que ela tem dos adultos do mundo real.
Vários das mais comuns caricatos de pessoas estão presentes no livro. Afinal quem nunca conheceu pessoas de alto valor no meio/profissão que exercem que preferem resolver tudo aos gritos, sem conhecer as opiniões ou os pontos de vista das pessoas ao seu redor. A Rainha de Copas é a representante máxima de professores autoritários que tantas pessoas já se acostumaram a tolerar.
A própria majestade da rainha ser derivada de um baralho de cartas já reflete uma parte do mundo adulto: a vida é como um jogo, onde se conta com a sorte, se blefa, se mente, se tenta esconder direitos e abusa dos deveres.
A quantidade de disputas que todos os personagens do livro entram em diversas situações, desde a conturbada casa da Duquesa até os lamentos pessoais da Tartaruga Falsa, mostram o quão frágil o adulto é, apesar de tentar mostrar as crianças a sua força interior.
Apesar de serem o parâmetro para o amadurecimento, quando mais Alice conhece o mundo adulto através das analogias do País das Maravilhas, mais a garota passa a entender o quão conflitante é a imaturidade do mundo adulto.
Ao mesmo tempo, a própria Alice entra em conflitos quando vislumbra sua imagem adulta, abordando os vários lados psicológicos que a menina (e todos os outros adultos) tende. Enquanto o Gato de Cheshire representa o seu id, seu lado criança, brincalhão, despreocupado, que segue instintos e faz tudo o que tem vontade, o Coelho Branco representa a Alice madura, responsável, que cumpre com suas obrigações e age determinada quando é preciso ter pulso firme.
Toda a interpretação, seja ela própria ou derivada, parte do pressuposto de que são apenas interpretações. Carrol nunca deixou claro o que realmente Alice queria transmitir ao leitor. A busca por respostas é um trabalho que exige muito esforço do ser humano, por isso diferente das obras infantis da época, Alice é a tentativa do autor em despertar na criança sua capacidade inventiva para encontrar suas repostas ao invés de tê-la pronta e digerida. O autor soube captar a essência da imaginação humana para compor uma história de autodescoberta, cheia de enigmas e novas visões que se enriquecem a cada nova interpretação.


O MUNDO AO CONTRÁRIO.

Tendo conhecimento sobre Alice no país das maravilhas é bem fácil conceber como foi estruturado Alice através do espelho. O livro, bem como seu antecessor é dividido em doze capítulos com ilustrações.
A história inicia-se com Alice brincando com suas três gatas e à medida que ela vai conversando com as felinas, começa a imaginar como é a vida dentro do espelho. Começa a observar e percebe criaturas que estão imóveis na sala como as peças do xadrez se movimentando do outro lado do espelho. Ela prontamente resolve entrar nesse mundo ao contrário com muitos conceitos invertidos e acontecimentos imprevisíveis, tendo como tema o jogo de xadrez e encontra lá criaturas fantásticas e excêntricas que nunca antes haviam visto uma menina de verdade.
Apesar de como seu antecessor ser classificado como livro infantil o livro possui simbolismos, referências e conceitos de diversas áreas do conhecimento, no entanto, predominam os matemáticos referentes a formação do autor.
Trocadilhos e referências da época também são encontrados, sendo os mesmos de difícil compreensão atualmente.
O livro diverte. A cada capítulo a curiosidade se faz mais e mais presente, já que é totalmente impossível prever que personagem estranho aparecerá e o que acontecerá a seguir. Apesar de ser classificado como infanto-juvenil (e em várias passagens ser bem evidente o lado infantil), não é de todo um livro só para crianças. A obra traz em si alguns simbolismos e pode ser interpretada de diversas maneiras.
A edição da Editora Zahar é realmente obrigatória de se ter na estante. Além de ter as duas histórias – clássicos da literatura –, traz os textos na íntegra e ilustrações originais de John Tenniel que dão uma beleza a mais ao texto e contam a história por meio das imagens nos permitindo viajar ao mundo de sonhos de Alice.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Poesia do dia - Motivo - Cecília Meireles

MEIRELES, Cecília. Motivo. In: ___. Viagem e Vaga Música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.


Apontamentos:

A escrita de Cecília Meireles é marcada pelo uso da Metalinguagem que ocorre basicamente, quando a linguagem trata sobre a própria linguagem. No poema Motivo isso aparece de forma bem delineada nas reflexões da autora sobre o que a torna poetisa, além de demonstrar o poder que a arte tem de relegar imortalidade, muito embora o artista seja mortal. Retrata assim as razões pessoais da autora do fazer poético.

Sou apaixonada por essa poesia, ainda tenho um caderninho azul decorado que guardei da pré-adolescência em que colecionava poesias e ela está na primeira página.

Espero que tenham gostado. Bjinhos.


Resenha - Como eu Era antes de você Jojo Moyes


MOYES, Jojo. Como eu era antes de você. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2013. 320p. Título original: Me before you.

Trecho:
“Você está marcada no meu coração, Clark. Desde o dia em que chegou, com suas roupas ridículas, suas piadas ruins e sua total incapacidade de disfarçar o que sente. Você mudou a minha vida muito [...]”

Como eu era antes de você é aquele tipo de leitura que te acompanha pra sempre. O tipo de livro que te marca e que você sempre lembrará nos momentos chave da sua vida, pois é um livro que retrata superação e é, sobretudo uma história sobre amor, vida e mortalidade. Tocando, assim, num dos pontos mais nefrálgicos de nosso inconsciente.

Louisa Clark, 26 anos, vive com os pais, o avô, a irmã Katrina e o sobrinho pequeno. Namora Patrick há vários anos, um triatleta mais interessado na carreira do que nela. Louisa não se importa muito com nada, não pensa na carreira, nem no namoro, em suma, não se importa com o futuro. Trabalha há 6 anos em um café e não tem ambições.
O Café em que Louisa trabalha fali. O emprego do pai está perigando por conta da recessão Inglesa o que torna imprescindível encontrar outro emprego. Tarefa ingrata, tendo em vista suas poucas qualificações.
Devido a essas dificuldades Louisa acaba se voltando ao emprego de cuidadora, mesmo sem possuir a menor aptidão. Imagina que irá cuidar de um velhinho, mas se depara com:
Will Traynor, 35 anos. Inteligente, bem sucedido profissional e pessoalmente é o tipo de pessoa que ama a vida, sempre à procura de aventuras, viagens, esportes radicais. 
Logo no início Will é atropelado a caminho do trabalho e o acidente o deixa tetraplégico.
Ao contrário do que parece Loiusa apesar de toda sua apatia em relação à própria vida é bem engraçada, divertida e interessante e Will após o acidente torna-se amargo e não vê sentido em sua vida, tornando-se obstinado a fazer com que todos estejam cientes de sua infelicidade, mas mesmo sem querer esbanja charme, sagacidade e inteligência.
Os dois se detestam a primeira vista, mas os 6 meses do contrato de Louisa trazem a possibilidade de grande aprendizado mútuo.
O livro é lindo, bem escrito, leve, apesar do tema, ainda assim, preparem-se para chorar baldes. Foi uma obra que comprei por acaso e me pegou totalmente desprevenida. Além de Lou e Will os personagens secundários são muito bem construídos, a família de Louisa, (Hilária) a família de Will carrega o peso da tragédia de forma tão verossímil que empatizamos completamente.
É um majestosa história que trata sobre o amor em todas as suas vertentes e sobre o que levamos dessa vida. Mais uma coisa: não é um livro triste. Leiam. Super recomendo.



Contato


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domingo, 27 de julho de 2014

Lua Nova e Calamidade


Existe um ditado muito antigo que diz que nos menores frascos existem os melhores perfumes. Lua Nova era assim, pequena e impávida, já na maternidade sempre foi a mais ousada das bebês, chorava até arrebentar enquanto não conseguia o que queria. Já em época de escolher profissão decidiu que queria ser comissária de bordo que é como chamam aeromoça hoje em dia e ai de quem dissesse que ela não tinha o “perfil”, tanto fez que conseguiu. E em um belo dia andando lá pras bandas da Amazônia foi que ela conheceu Calamidade. Calamidade sempre fez e aconteceu... Bad boy sim senhor! Era meio que uma mistura de James Jean com Lampião. Diziam até que se a lenda do boto não fosse tão antiga dava pra dizer que o bicho que seduzia as moçoilas havia sido inspirado nele.

Certa tarde os destinos se cruzaram Lua Nova ia em seu calmo e confiante passo rumo a seu quarto de hotel quando Calamidade distraidamente tropeçou nela no alto de seu 1.90. Lua Nova não se fez de rogada e deu-lhe um pisão no pé. Ao que Calamidade indignadamente reclamou para deus e o mundo o absurdo de deixarem crianças soltas em um hotel ainda mais sendo crianças mal educadas. Isso foi à gota d’água pra Lua Nova se interessar em por o metido em seu devido lugar. Pois se existia uma coisa que ela não admitia era que tentassem diminuí-la usando sua estatura. Que era a mesma da Sandy segundo ela.

Só que pela primeira vez na vida Calamidade realmente não fez por mal, pois realmente achou que fosse uma criança. Percebeu seu engano e ficou ponderando se valia a pena se desculpar sem desconfiar da sanha vingativa que havia despertado.
Lua Nova se apresentou de forma fria, porém educada e expôs o acontecido de forma tão lógica que Calamidade não teve saída a não ser se desculpar e pra não perder o costume ele a convidou pra sair à noite. Ela aceitou de bate pronto e ele ficou mais uma vez se achando a ultima coca-cola do deserto.
As 20h00 os dois saíram e foi Lua Nova quem escolheu o programa, foram comer cachorro-quente em frente ao Teatro Amazonas, depois dançaram em uma boate gay e terminaram a noite cada um em sua cama. Bem que Calamidade tentou, mas Lua Nova não estava nem um pouco afim, então fica pra próxima... ou não. Foi o que ela disse a ele na despedida. Assim, Calamidade ficou na vontade e pela primeira vez quebrou a boba regra de não convidar pra sair novamente e muito menos ligar no dia seguinte.

Ele ligou, ela aceitou e eles transaram. E ele continuou ligando, ela continuou aceitando e eles continuaram transando. Até que Lua Nova partiu pra outro destino na sua aventurada vida de comissária de bordo.
Para Calamidade restou apenas lembrar com saudade daquela pequena notável.



Vem dançar com a gente mãe

Ouço a voz, acordo, procuro o celular embaixo do travesseiro. 3h30. Mais uma noite mal dormida e a certeza de receber o mesmo chamado na próxima madrugada.
Encaro essa tensão há duas semanas, já quase me acostumei com a voz. A primeira vez que ouvi senti calafrios e enorme pavor. Esse calafrio já esmaeceu. Levanto e me movo na esperança de viver normalmente.
Outra noite, o sono me vence às 0h00. Escuto a melodiosa voz de criança. Vem dançar com a gente mãe... Ela pede com riso na voz. Essa madrugada além do pedido ouço a música.  Respect Aretha Franklin. O calafrio e pavor voltam com toda a força. E se estiver enlouquecendo? E se não estiver? Meu eu cético não sabe qual a pior das alternativas.
Saio de casa às pressas. Na rua a bruma me alcança e me envolve. Um homem vem em minha direção, outro tipo de medo me cerca. Um mais palpável do tipo que estampa manchetes de jornais.   
Penso em correr, em gritar, procuro meu celular, mas deixei embaixo do travesseiro. É tarde. Ele me alcança. Deve ter 50 anos e me estende um folheto evangélico. Respiro aliviada e toco em sua mão ao pegá-lo.
Imagens invadem minha mente. Duas menininhas dançam. Vem dançar com a gente mãe a pequenininha chama. A luz fria do inverno penetra as janelas. Em uma velha radiola a poderosa voz de Aretha Flanklin ressoa, a mãe finalmente aparece, ela é jovem e está feliz, as três dançam. A porta é aberta. Um homem entra. A dança para. O riso cessa. Em seu lugar choro e ranger de dentes. Dessa vez ele foi mais brutal, a menininha não poderá mais chamar sua mãe pra dançar e ela e sua irmã não poderão dançar também, tampouco. Vejo seu rosto de criança no fim e refletido em sua pupila está à imagem do homem do folheto.
Retorno a minha consciência e percebo que tudo durou apenas frações de segundos. Ele ainda está recolhendo a mão que me estendeu o folheto. Deixo-o se afastar e o sigo. Ele para em uma praça próxima e aborda estudantes e trabalhadores com seus folhetos. Espero. No meio da manhã ele se move. O acompanho. Próximo a um terreno abandonado cato uma grande pedra. Me apresso e o alcanço. Bato em sua cabeça. Sei o que tenho que fazer. O arrasto mais para dentro. Golpeio a pedra em direção ao seu crânio até sentir os ossos moles. Tenho que sair daqui. Há sangue em minha roupa. Ando com falsa tranquilidade de volta pra casa. Passo o dia apreensiva, assisto os noticiários. Uma notícia sobre sua morte, a polícia não tem pistas.
Me recolho para dormir. Essa noite não ouço o chamado. Acordo, vou trabalhar. Me sinto em paz.

Na volta pra casa pego um táxi. Recebo o troco. Toco na mão do taxista. Imagens invadem minha mente, vejo mulheres acuadas e seu riso de deboche refletido na pupila delas. Topei com um estuprador. Volto à realidade. Sei o que tenho que fazer.